- Meu marido é muito controlador padre, não sei mais o que fazer. - Tente conversar com ele, falar sobre o assunto, isso pode resolver. - Não acredito, ele não é homem de falar muito, pelo menos não comigo. Ele gosta de conversar com outras pessoas. - Acredito que, se a senhora puxar um assunto que seja do interesse de ambos. Saberão que tem muito mais em comum do que imaginam. - E quanto ao caso virtual que eu contei ao senhor? O que devo fazer quanto a isso padre? - E como a senhora sabe disso? Andou vasculhando as coisas dele? - Não padre! Descobri sem querer. Ele deixou o computador ligado. Perguntei a ele se poderia usar, ele disse que sim, quando fui usar para fazer o meu trabalho, havia uma jovem quase pelada chamando por ele em uma telinha pequena ao lado da conversa picante. Eu li a conversa que estava aberta e muito quente por sinal. Ele havia lhe feito muitas promessas. - Que tipo de promessas? - Ele falava de amor, que viveriam uma vida plena, juntos, eram palavras bonitas que disse e me disse, tudo lorota padre. - falava a mulher fazendo trejeitos com os ombros. - Talvez seria bom a senhora ter uma conversa franca e sincera com o seu marido. Com certeza ele deixou a conversa aberta porque sabia que a senhora ia ver e não tinha nada demais na conversa. A senhor pode ter interpretado tudo errado. - Não sei não padre, estou tão confusa. - Vá em paz filha. Tente fazer o seu melhor para o relacionamento dar certo. Otávio pensou não ter mais ninguém para confessar-se aquela manhã que fora bem agitada, mas quando deixou o confessionário havia, pelo menos, mais oito mulheres querendo confessar-se. Otávio pensou que se elas demorassem tanto quanto a mulher do prefeito ele não terminaria em tempo de ir almoçar. Já sentia fome, pois passava das dez horas. Ele voltou para o seu lugar sorrindo. Por mais de quatro horas ele ficou ouvindo e aconselhando aquelas mulheres da pequena cidade de Nova Orlando onde ficava um pequeno vilarejo, foram jovens e velhas, algumas com pecados, outras sem pecado algum que poderia considerar. Mas, muitas estavam ali por causa dele, para conhecerem o novo padre que havia chegado a comunidade. Deitado em sua cama, no seu quarto escuro e simples, estava Otávio sem conseguir conciliar o sono, a noite estava mais quente do que as anteriores, quente demais para ficar na cama. Levantou-se e vestiu logo sua roupa, tudo o que ele precisava naquele momento era cansar ainda mais o corpo para que conseguisse dormir bem. Com sapatos especiais para corrida ele percorria alguns quilômetros e logo voltaria para casa. No meio do caminho ele pode ver uma casa de dois andares, cuja janela estava aberta e apenas uma fina cortina iluminada por uma luz indireta deixava ver sua ousada ocupante. O que ele via o deixou em estado de êxtase, não conseguia ir adiante, ficou parado no meio da rua vazia de madrugada, o que ele via despertou nele, algo que imaginava adormecido há muitos anos de celibato. Longe dali… Sentada com os olhos vermelhos e o rosto molhado por tanto chorar, Ísis chorava um amor que fracassou. Amor a primeira vista para ela, para ele a segunda vez que a viu, apaixonou-se perdidamente. Todos diziam que um casal assim se completavam, mas, então, por que fracassou? Por que agora ele estava a frente para ajudar a realizar o casamento de Ísis? Seu melhor amigo havia lhe dito para ir atrás dele, reverter a situação já vista por ele, ela lembrava das palavras dele: - Quando ele colocar aquela aliança no dedo e dizer os votos você não poderá mais tê-lo para si como teve até agora. Ele pertencerá a igreja e você não será mais nada do que uma ouvinte, uma seguidora, nada mais. Mas, Ísis não o ouvia, não seguiria com aquele plano, era melhor deixar que a vida ou o destino tomasse seu rumo sozinho como deveria ser. Ela deveria deixar tudo de lado e seguir em frente, deveria jogar fora todo o amor que sentia por Otávio Nova Romary. Ela sentia arrepios ao pronunciar o nome completo dele, era o mesmo que sentir suas mãos geladas sobre sua pele quente, ou ouvir sua voz em seu ouvido, coisas pecaminosas e que não se deveria ser pronunciada por algo tão santo quanto aquela boca. A voz rouca e grave. Ah, ela o amava e muito, aquele amor era tão forte que doía no peito ao passar em sua mente que logo ele seria tão impossível de ter que estaria tão longe de seu alcance, quanto mais o ponteiro do relógio girava, mais longe estava dele. A maquiagem já não existia mais, fora desfeita pelas lágrimas que corriam, seu pai, caminhava em seu quarto arrumando-se para levá-la ao seu casamento. Ísis olhava-se no espelho, tinha que retocar a maquiagem, seu pai sempre questionou a filha por ter aceitado casar-se com um antigo amigo de colégio se estava sofrendo por causa de outro que nunca ia lhe pertencer. - Otávio pertence a igreja pai. Ele nunca me pertenceu. - Então por que ele se diz apaixonado por você? Por que deixou que isso fosse até o fim? Ele não vê que somente a fez sofrer? - Ele também está sofrendo. - Não acredito muito nisso, ele agora está longe do seu alcance filha, deve retomar sua vida e esquecer o que aconteceu. - Eu não sei como fazer isso. - Esquecendo o rapaz de vez. Você sempre soube que esse relacionamento de você não daria certo, eu lhe disse que você ia sofrer quando ele se decidisse pela igreja. Foi o que ele fez, agora você sofre. Otávio andava tranquilamente pela pacata cidade, um vilarejo como outro qualquer do interior onde todos se conheciam e cresceram juntos, Otávio podia até jurar que muitos eram parentes distantes mesmo os moradores não confirmando a história. Ele era admirado pelas mulheres, os homens gostavam dele pleo fato de ser padre e bom de bola e jogo de truco, um bom parceiro que sabia as artimanhas do jogo de não entregar a mão que tinha. Foi assim que ele conquistou muitos dos homens e dos jovens da cidade não levantando suspeitas ou desconfianças sobre ele. Muitos homens o viam como um belo espécime masculina, sua beleza atraia muitas mulheres para sua igreja, os homens seguiam as esposas, noivas ou namoradas para saberem mais a respeito do tal padre. Mesmo sendo um homem de Deus e celibato, todos ainda sentiam ciúmes e inveja do poder de sedução que aquele padre exercia nas mulheres. Muitos dos homens da cidade faziam de tudo para que suas mulheres não frequentassem tanto as missas, ou se confessassem tanto ficando sozinhas com aquele homem. Mas, as mulheres não deixavam ser pressionadas por palavras duras tanto dos noivos, maridos, namorados ou até mesmo do padre. Uma delas era a esposa do prefeito, ela e a filha frequentavam as missas não importasse a hora que fosse e quantos dias na semana. Anabele trocava de roupa pela quarta vez. - Por que demora tanto mãe? - pergunta sua filha Analice. - Já vou, já vou! É que não consigo me decidir. - Se continuar a demorar tanto assim vai ter que ir com o papai. - Ai meu Deus! Anabele veste um lindo vestido verde que a deixava ainda mais jovial ao lado da filha, as duas pareciam irmãs. Eram amigas e confidentes e ambas gostavam do padre Otávio e o achavam muito atraente, ficavam horas falando sobre os atributos do padre após a missa e antes que o pai chegasse em casa. O marido de Anabele era o prefeito local, vindo de uma família de político muito conhecido na região, ele era um homem bastante ocupado e não dava muita importância a mulher ou aos filhos, eles tinham um casal, Analice de dezenove anos e Charles de treze anos, deixava tudo a cargo da esposa para viver somente para a politica. Os filhos tinham tudo o que pediam. Charles era um dos coroinhas na igreja, a mãe fez com que o filho integrasse a missa, para poder se aproximar mais do novo padre. Anabele era jovem e bela assim como a filha, ambas muito parecidas, tinham os mesmos arredondados olhos castanhos de cílios longos e grandes, a boca rosada e estreita e os dentes perfeitos assim como o corpo curvilíneo, os cabelos de Analice eram castanhos, sua cor natural, mas os de Anabele eram pintados de um tom avermelhado o que lhe dava um ar europeu que contrastava com a pele clara. Otávio ao lado de seus dois coroinhas, Charles e Júnior olhava para a igreja lotada, na maioria de mulheres, os homens aos poucos iam chegando. O sermão foi curto, Otávio sentia-se um pouco cansado devido a noite mal dormida. - O sermão foi lindo padre, como sempre. - disse Anabele sorridente ao se despedir nas escadarias da igreja. - Foi mesmo muito bom padre, - dizia o prefeito - meio moderno pro meu gosto. - Obrigado prefeito, vindo do senhor é um grande elogio. O prefeito sorriu todo satisfeito. - E na próxima missa, deixe o celular desligado. O prefeito olhou de rabo de olho para o padre e não respondeu. Otávio olha para Anabele sorrindo que lhe retribui o sorriso de modo ousado, assim como sua filha. - Poderia ir jantar lá em casa padre. - Qualquer dia desses! - concluiu o prefeito antes que Otávio se manifestasse. Não foi o único convite que Otávio recebeu naquele domingo de manhã, ele recebeu convites para jantar ou almoçar ou até mesmo para um chá da tarde na casa de algumas senhoras ou um café na casa do dono do mercado da cidade. Ele recusou todos com muita simpatia. Dona Carola era mãe do prefeito, senhora de setenta e cinco anos que gostava muito do antigo e falecido padre Josias. Otávio veio para substituí-lo em uma boa hora. Ela ficou para trás para confessar-se aquela manhã, Otávio não acreditava que era a segunda vez que ela se confessava em apenas uma semana. "Onde ela arruma tantos pecados"? Pensava ao vê-la esperando por ele. Otávio estava cansado e precisando de uma boa dose de água tônica gelada, o lugar onde ficava o confessionário era uma cabine totalmente fechada, diferente de muitas com a parte do confessante ser aberta, ali era fechada para dar mais privacidade as pessoas, assim como onde ficava Otávio que não gostava do lugar por ser muito abafado. Ele encostou-se no painel de madeira ao sentar-se na cadeira para ouvir a senhora que falava sem olhar para ele, estava sempre de cabeça baixa olhando para o terço em sua mão e falava sem parar. Ele encostou-se na parede e quase pegou no sono quando ela lhe chamou atenção. - Estou ouvindo dona Carlota, continue. Ele encostou o cotovelo no painel de madeira e seu braço deslizou e acabou batendo em algo solto da parede, ele olhava para ver a madeira e embaixo dela em um lugar escondido tinha um pequeno botão que a parte solta revelou, ele apertou e para espanto de Otávio, uma parede foi deslizando a seu lado movendo-se por um eixo central como uma porta giratória. Assustado com o que via e bastante curioso, ele coloca sua cabeça para dentro do lugar, estava muito escuro e não dava para ver muito bem, mas lhe parecia ser um quarto isolado ou uma passagem para algum outro lugar da igreja. Olhou para a senhora que estava alheia ao que acontecia na sua cabine e olhou novamente para onde estava o botão que ele apertou e a parede logo fechou-se, dona Carlota não parava de falar e parecia que falava algo de quando seu marido era vivo e o que faziam juntos, parecia que seus pecados vinham desde quando nasceu. - Dona Carlota, por favor! Já estamos aqui a mais de uma hora. A senhor sempre foi tão discreta e boa pessoa. O que poderia ter feito de tão grave na vida que precise se confessar tanto? - É que o senhor não conhece os meus pecados como o padre Josias conhecia. - Acontece que ele já lhe absolveu de seus pecados, eu não preciso ouvir tudo o que ele ouviu. Já está perdoada. - O senhor tem que me ajudar padre, assim como o pobre padre Josias que Deus o tenha em bom lugar. - Acontece que tudo o que a senhora disse, já foi devidamente perdoado por Deus. O que mais posso fazer pela senhora? Diante do silêncio daquela senhora, Otávio deixou o confessionário para não dar nova chance a ela de querer dizer alguma outra coisa. Ele foi para seu quarto, que ficava em um alojamento afastado na parte de trás da igreja, um longo e estreito corredor por uma porta lateral da igreja dava acesso, procurou por uma lanterna, não havia mais ninguém para atender ou outro compromisso nas próximas horas, estava livre, queria explorar o quarto que encontrou. Assim que encontrou uma pequena lanterna guardada em cima do guarda roupas que parecia não ter sido usada a um bom tempo, testou para ver se funcionava, assim que acende ele voltou para a igreja. Otávio entrou rapidamente no confessionário antes que alguém o visse, passou a mão sobre o painel que encontrou na parede, ele encontra um pequeno botão e aperta, a porta vai se afastando, com a lanterna em punho adentrou ao local. O lugar tinha revestimento acústico ao qual Otávio passava as mãos sobre ele, o local não era muito grande e poderia abrigar uma pequena quantidade de pessoas, mesmo parecendo a ele que abrigou apenas uma pois havia uma cama de solteiro apenas, o local era quadrado e pequeno, um quarto de dimensões de uns 9 metros quadrados, duas estantes abarrotadas de livros, a maioria que ele pode ver serem antigos e raros. Uma cama com um colchão que poderia estar ali a anos por causa da poeira acumulada e das teias de aranhas. Talvez da época da segunda Guerra Mundial quando muitos livros foram queimados ou perdidos. No canto havia a cama de solteiro espremida no meio das estantes de livros, um aparador com um jarro de barro e uma bacia de barro também, Otávio pensava em quem poderia ter ficado preso naquele lugar, não havia registro algum daquele quarto secreto em lugar algum do escritório. Ninguém nunca o mencionou se quer era uma lenda ou uma história de que tivesse um ali. Sobre a parede em cima da cama estava o grande crucifixo, tudo naquele lugar precisava de uma boa limpeza, mas como fazer isso sem chamar atenção dos que por lá circulavam, trocar o colchão seria um problema a mais. - De madrugada vou fazer uma grande limpeza nesse lugar. - disse Otávio com um sorriso.